Entrevistas

Pessoas com quem nos identificamos e admiramos!

Este mês o que a Babu traz, é uma entrevista a uma das pessoas mais importantes no paradigma de uma vida sustentável e cheia de ideias para tornar este sítio onde vivemos o melhor possível.

Ela é a Ana Milhazes, uma das pioneiras na adoção de um estilo de vida zero waste, dona do blog Ana, Go Slowly!” e fundadora do movimento Lixo Zero Portugal.

Estudou Sociologia em Braga, na Universidade do Minho, mas trabalhou 10 anos na área das Tecnologias de informação.

Apesar de gostar do trabalho na sua área, sentiu necessidade de algo mais e decidiu criar o blog Ana, Go Slowly” onde fala sobre a sua viagem rumo a uma vida mais slow.

Em 2016 adotou um estilo de vida zero waste. Através do blog da Bea Johnson inspirou-se nas suas ideias e assim fundou o movimento Lixo Zero Portugal.

Em 2017 teve a infelicidade de lhe ser diagnosticada depressão e considera que esse foi o empurrão que precisava para sair do trabalho onde estava e começar a inspirar pessoas com as suas ideias, começando a dar palestras e workshops sobre desperdício zero, minimalismo e slow living.

Em 2020 lançou o seu livro “Vida Lixo Zero”, começou a trabalhar como coach e confessa ser ótimo assistir de perto à evolução e transformação de cada pessoa que acompanha.

A Ana confessou-nos algumas dificuldades que encontrou durante este processo de adaptação a uma vida zero waste bem como algumas dicas essenciais para todos os que lhe queiram seguir os passos rumo a uma vida mais sustentável e um mundo melhor.

Por acharmos este um tema relevante e a Ana uma pessoa inspiradora, decidimos, este mês e o próximo, trazer as duas partes da entrevista que fizemos à Ana Milhazes para vos poder inspirar a seguir o seu exemplo ou apenas para se sentirem inspirados por ela.

Seguimos com a entrevista…

Como descreve a adaptação a uma vida com ideal de zero waste e principais dificuldades?

Acabou por ser um processo um bocadinho gradual, desde miúda sempre tive muita ligação aos animais e à natureza, portanto essas preocupações ambientais estiveram sempre presentes.

Mas foi em 2011, que se deu assim a grande viragem, foi uma altura em que eu achava que já tinha conquistado tudo aquilo que a sociedade nos diz que devemos conquistar: um ótimo emprego, uma casa, … e parecia que faltava qualquer coisa.
Sentia que viver não podia ser só aquilo, achei na altura que era falta de organização, porque achava que tinha poucas horas no dia, o dia passava a correr e então comecei a procurar informação sobre como podia otimizar o tempo, reduzir as coisas que tinha e tudo mais. E foi assim um pouco por acaso que descobri o minimalismo como estilo de vida, num blog americano que não me lembro qual o nome, mas depois comecei a ver vários e foi no fundo foi um bocadinho através das experiências que eu comecei a viver por adotar esse estilo de vida que eu resolvi, um ano mais tarde, em 2012 criar o meu blog, o “ Ana Go Slowly” precisamente para partilhar aquilo que eu estava a viver de tão bom.

Ganhei imensa qualidade de vida, ganhei tempo, simplesmente pelo facto de ter começado a reduzir coisas que tinha a mais na minha vida: comecei pela “tralha” mas acabei por chegar às coisas “não físicas”, como compromissos, pessoas, relacionamentos que não são tão saudáveis.

Em 2016, aí sim, mais voltada para o desperdício zero, há uma altura em que penso “ Ó Ana, como é possível seres tão preocupada com as questões ambientais e ainda fazes esta quantidade enorme de lixo?”

Lembro-me de ir, mais uma vez, à internet pesquisar. Pesquisei, em português, como podia deixar de produzir tanto lixo, não encontrei nada. Depois pesquisei em inglês e encontrei o blog da Bea Johnson, o “Zero Waste Home”. Adquiri o e-book, que li de uma vez só e fiquei descansada porque percebi que de 2011 a 2016, eu já tinha reduzido muita quantidade de lixo que produzia, simplesmente pelo facto de ter deixado de consumir.

Decidi avançar para aquilo que tinha em maior quantidade, e o que tinha em maior quantidade era: por um lado, os resíduos indiferenciados, por outro as embalagens de plástico. Relativamente aos resíduos indiferenciados, tentei falar com um casal de agricultores a quem  comprava o cabaz de frutas e legumes biológicos, perguntei-lhes se eles faziam compostagem, eles disseram que sim, então todas as semanas, sempre que ia buscar o cabaz entregava-lhes os meus resíduos orgânicos. Depois, a questão das embalagens, é um bocadinho por aí que surge o movimento Lixo Zero Portugal, eu comecei por procurar as lojas a granel, primeiro na zona do Porto, onde eu vivo e que permitiam que o cliente levasse já os seus próprios frascos e sacos. Contactei várias lojas e acabei por falar também do meu projeto e da  Bea Johnson, e as lojas foram respondendo. Resolvi, já que estava a fazer para a zona do Porto, fazer para o país inteiro, no fundo fui guardando essa informação toda num ficheiro que depois deu origem ao site agranel.pt onde encontram todas as lojas a granel do país e onde qualquer pessoa pode também acrescentar novas lojas sempre que descobrir novas lojas, o que é ótimo porque é uma rede que está sempre em contaste crescimento.

No fundo, a ideia de criar o grupo de Facebook foi por dois grandes motivos: por um lado, sentia-me estranhamente sozinha, não conhecia mais ninguém que tivesse interessada neste estilo de vida, que tivesse adotado algumas práticas e por outro lado também queria que certas pessoas que estivessem a começar, queria que essas pessoas não tivessem de passar por aquilo que eu passei, porque na verdade, em 2016 tudo era mais difícil. Era mais difícil encontrar, pro exemplo, escovas de bambu à venda, não se encontrava, às vezes tinha de se encomendar de uma loja muito longe, e perceber onde se podia comprar, o que se podia comprar e também trocar ou emprestar, esse assunto também era importante para mim então foi assim que surgiu a comunidade.

O que eu achei mais difícil, na verdade, o que eu costumo dizer quando as pessoas me perguntam “Faz-se sacrifícios? O que te custa mais?” O que eu digo é que não faço sacrifícios, porque se fizesse sacrifícios acho que deixava de fazer qualquer sentido. Faço o que para mim faz sentido, se calhar dependendo das fases também, há coisas que vou adaptando. Acima de tudo, o que na altura, em 2016, foi mais difícil para mim teve a ver com a questão da parte da cosmética, sobre tudo a parte de tudo o que é shampoos, sabonetes, toda essa parte foi complicado encontrar coisas que gostasse porque o shampoo, após algumas experiências minhas, como o “no shampoo” ou descobrir que a base de alguns shampoos eram sabonete e não shampoo, o pH do nosso corpo é completamente diferente do pH do nosso cabelo. Aconteceram experiências engraçadas que foram importantes e que eu falo delas no livro mas que hoje em dia acaba por ser muito mais fácil, porque existem muitas marcas especializadas. Não temos de estar a comprar coisas que vêm do outro lado do mundo, o que acaba por ser um pouco um contrassenso porque acabava por ter uma pegada gigante o que encomendávamos.

Quais as dicas essenciais a quem está a pensar iniciar a sua caminhada até uma vida completamente sustentável e zero waste?

Primeiro que tudo diria: viver mais devagar. Porque acredito que quando começamos a abrandar, conseguimos reparar nas coisas de uma outra forma. E a partir do momento em que reparamos não conseguimos fazer as coisas de outra forma, há qualquer coisa que tem de mudar. Saímos do piloto automático e começamos a ponderar o que conseguimos alterar.

A seguir diria para começar pelo mais fácil. Ou seja, pensamos em adotar um estilo de vida desperdício zero, por exemplo, se ainda consumo água engarrafada ou, simplesmente deixar de comprar de todo garrafas de plástico, e comprar um garrafão, ao fazê-lo já vai estar a fazer uma grande diferença.
Noto isto também pelas pessoas que me vão contactando, que querem fazer logo tudo de um dia para o outro, isso acaba por ser muito mais difícil de manter, porque não nos podemos esquecer que somos seres de hábitos e que se demoramos todos estes anos a fazer estes hábitos que temos hoje em dia não é de um dia para o outro que vamos mudar. Portanto diria que o melhor é começar pelo mais fácil, escolher uma coisa que não seja difícil de implementar. Depois, quando este hábito estiver implementado passar para o seguinte e depois para outro e para outro, sempre assim.

Para acrescentar ainda, não convencer ninguém porque não se convence ninguém. Às vezes as pessoas perguntam-me:

“Ana, eu já adotei um estilo de vida zero desperdício, mas lá em casa como é que eu convenço o meu marido a fazê-lo?”.

Eu respondo sempre:

“Não convences, porque ninguém convence ninguém.”

Convencer nunca funciona, temos de sempre mostrar o exemplo. Fazermos por nós, para nós e eventualmente os outros vão ver e interessar-se por saber mais e nós aí aproveitamos para explicar, sem tentar convencer o outro.

Eu que vivo disto e falo disto a toda a hora, quando estou com amigos e família nunca falo a menos que queiram puxar o assunto, porque nunca sou eu a puxar o assunto, mas faço uma coisa: não deixo de ser quem sou e de fazer o que é importante para mim. Ou seja: ando com a minha garrafa de água reutilizável, com o meu kit de talheres, apanho lixo do chão se for preciso, vou às compras levo os meus sacos e nessas pequenas coisas as pessoas vão reparando e vão percebendo que é uma coisa fácil, ou seja, não é um sacrifício. É algo que faço com muito gosto. Não me esqueço, porque estou habituada, e por vezes também sou elogiada pelos funcionários dos sítios onde vou. Acho que as pessoas, principalmente as mais introvertidas, ficam com um bocadinho de receio que ao levarem as suas próprias coisas, primeiramente têm de explicar, o que as deixa logo fora da zona de conforto e depois também têm medo de ser criticadas. Como vêm que eu até sou elogiada, acho que isso acaba por incentivar as pessoas a fazer o mesmo.

Tem acontecido muito isso, nunca impor ao outro, mas o outro também não impor o seu lado a mim, ou seja, se eu for a casa de uns amigos e eles não fizerem a separação do lixo, o lixo que eu fizer, eu trago comigo. Eu digo sempre “eu não tenho que chegar lá e ser a polícia de reciclagem mas eles não têm que impor a ideia de que eu naquele dia não faça reciclagem. Eu acho que isto acaba por cativar as pessoas, porque quando somos muito insistentes, nós afastamos as pessoas. Pessoas que até eventualmente pudessem ter algum interesse vão fugir a 7 pés.

Isto acontece muito também com o vegetarianismo e o veganismo, isto é, se nós tivermos a criticar as pessoas, as pessoas nem vão querer experimentar comer uma refeição vegetariana por semana, porque vão ficar a pensar que todos os vegetarianos são assim, chatos e loucos e não vão ter interesse. Acima de tudo é importante respeitar o outro porque também quero que o outro me respeite a mim.

Mudar o mundo começa sempre por mudarmos o “nosso mundo” e todos temos essa capacidade, nota que ainda existe uma certa reticência em dar pequenos passos ainda que tenhamos a pretensão de “mudar o mundo”? – queremos mudar o mundo para melhor a todos os níveis, mas existem pequenas coisas que nós ainda não fazemos.

Sim, essa ainda é uma realidade. Ou seja, nós sabemos que podemos fazer a nossa parte mas ainda colocamos muito esse ónus fora, ou seja, é o governo que tem de mudar, é a empresa que tem de fazer, é a marca que tem de mudar e esquecemo-nos muitas vezes da nossa maior arma que é a nossa voz, porque se nós percebêssemos como ela é importante iriamos utilizá-la todos os dias para fazer a diferença. E a diferença basta ser quando vou a restaurante ou supermercado eu deixar uma sugestão de como se podiam fazer coisas ou dizer mesmo “ eu vou deixar de comprar este produto porque ele vem sobre-embalado”. Eu acho que nos esquecemos disso.

Acredito também que o facto de vivermos numa sociedade de consumo e acelerada também contribui para isso, ou seja, nos vivemos de tal forma rápida que quando vamos a um supermercado ou restaurante, queremos demorar o mínimo de tempo possível, por isso pegamos nas coisas embaladas para sair o mais depressa possível e se estamos a almoçar estamos de pé e tem de ser super-rápido apara ir trabalhar, ou seja isto não ajuda ao processo.

Por isso a dica de viver mais devagar é tão importante, porque quando conseguimos fazer a vida mais devagar, temos mais tampo para falar com as pessoas, para perceber, olhar com outra atenção, por isso acho que apesar de sabermos que por um lado a mudança começa connosco as vezes desligamo-nos muito disso por uma questão de que é algo que demora a ver resultados porque pensamos “ eu sou só um, não tenho nenhum amigo que o faça também” e também a falta de tempo, andamos sempre a correr muito preocupados com coisas essenciais e deixamos isto para segundo plano. Esquecemo-nos é que isto também é essencial, acaba é por ser essencial a longo prazo e ninguém vê a longo prazo ou está preocupado com a vida daqui a 2,5, 10 anos, as pessoas vivem no momento, focadas no agora, mas no mau sentido e esquecem-se que as suas ações vão ter consequências no futuro. Eu acho que o grande problema é que as pessoas às vezes até me dizem “ Ana, fiquem super inspirada com isto ou aquilo que disseste” mas depois eu vejo, muitas pessoas que seguem e fazem e partilham comigo tudo aquilo que fizeram e isso é ótimo, mas também vejo que existem muitas outras que gostaria de fazer imensas coisas e ficam aquém e não conseguem porque há tanta coisa urgente à frente, que deixamos estas coisas para depois, mais uma vez, a sociedade de consumo está feita dessa forma. Todas as aplicações que temos no telemóvel, tudo o que está à nossa volta, nos está a chamar constantemente à atenção e consome a nossa atenção mesmo não sendo uma coisa prioritária e depois o resto fica para segundo, terceiro e quarto plano.

Às vezes é preciso alguma persistência, motivação, e quando as pessoas estão extremamente cansadas não conseguem, e têm de se focar no urgente e deixam o resto para segundo plano, por isso é que eu acho que é muito importante nós conseguirmos olhar um pouco mais à frente, porque quando o fazemos percebemos que talvez estas coisas sejam as prioritárias e não o que fazemos no dia a dia, porque vivemos muito em piloto automático e vivemos para trabalhar e isso a longo prazo talvez não traga coisas muito positivas.


Para além destas palavras da Ana, no mês de Agosto sairá a parte 2 desta entrevista com a fundadora do Movimento Lixo Zero em Portugal com mais ideias e exemplos sobre como adotar um estilo de vida mais lento e mais amigo do ambiente.

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