Entrevistas,  Sustentabilidade

Pessoas com quem nos identificamos e admiramos! – Parte II

Como prometemos, este mês trazemos a segunda parte da entrevista com Ana Milhazes, fundadora do Movimento Lixo Zero Portugal.

Se ainda não tiveram oportunidade de ler a primeira parte, façam-no aqui.

Considera que o seu movimento “Lixo Zero Portugal” fez e faz a diferença na mudança de mentalidades e em que sentido?

Diria que sim, a ideia do grupo e do movimento informal era juntar pessoas que de certa forma já fazem algumas coisas e de outras que vão chegando e gostariam de adotar alguns hábitos mais sustentáveis.

No fundo acaba por ser um grupo de apoio que tem muita informação, ou seja, qualquer pessoa pode pesquisar e encontram várias informações e acaba por ser um grupo de apoio por vezes aparecem pessoas com duvidas, questões, que não sabem como hão de fazer algo ou onde podem encontrar determinada coisa e temos outras  pessoas que já têm muito conhecimento e muita prática e por isso conseguem explicar exatamente o que as outras pessoas deverão fazer, e essa parte é ótimo.

No inicio também cheguei a fazer, mas com a pandemia abrandei, alguns eventos presenciais, um deles em 2017, um mercado que organizei na Biovilla, que é um projeto que também gosto bastante, no fundo a ideia foi fazer um mercado completamente zero waste, ou seja um mercado que tinha uma parte de palestras e workshops sobre sustentabilidade, toda a comida era vegan e depois todas as lojas presentes eram voltadas para produtos sustentáveis, em segunda mão, desperdício zero e foi muito bom na altura, porque não existiam muitas lojas em Portugal que vendessem este tipo de produtos e foi uma forma de reunir todas as lojas no mesmo sítio. Lembro-me que na altura uma das coisas que as pessoas mais gostaram foi isso, porque tinham tudo no mesmo sítio e não precisavam de estar a encomendar online de vários sítios e consigo comprar aqui.

Outra coisa muito boa foi o facto de haver o objetivo que o evento fosse zero waste, ou seja nós contabilizámos o lixo produzido todo no final e foi muito bom, tivemos mais de 300 pessoas e fizemos pouquíssimo lixo, tiramos fotografia, tínhamos apenas algum lixo, porque houve este cuidado junto das pessoas que levavam as bancas de alimentos e tudo mais para não terem palhinhas e outros materiais descartáveis e para os visitantes também incentivámos as pessoas a levar os seus talheres e os seus copos e dessa forma evitou-se uma grande produção de lixo como costuma acontecer neste tipo de eventos.

Portanto foi um evento espetacular que eu gosto sempre de recordar, porque na altura existiam muito poucos eventos do género em Portugal e foi um sucesso.

No fundo o grupo é um grupo de partilha, interajuda e o que eu vou fazendo um pouco por todo lado, nas palestras, workshops, empresas e escolas é um bocadinho espalhar esta mensagem. Gosto sempre de levar o meu kit desperdício zero para mostrar às pessoas como se consegue de forma prática adotar as práticas que eu tenho no dia a dia, o que eu utilizo. porque o que eu noto é que a teoria é fácil mas é algo distante da realidade e as duvidas são “ Como é que a Ana faz? O que usa?” então eu gosto sempre de levar até para as pessoas poderem pegar, ver, cheirar alguns produtos, para desmistificar um bocadinho e mostrar que é fácil, acho que acima de tudo essa é a minha grande mensagem, mostrar que é fácil, simples e que não precisamos de fazer tudo de um dia para o outro.
Portanto o que peço é que as pessoas, das 10 ou 20 dicas que partilho, escolham 1 ou 2 coisas para começarem já a implementar porque acredito que quando fazemos uma coisa de cada vez isso leva a uma grande mudança de hábitos e como eu costumo dizer, as pequenas ações levam a grandes mudanças.
De vez em quando também peço para que as pessoas partilhem comigo o que já fizeram ou andam a fazer, também a forma como vão passando a mensagem. O facto de as pessoas alterarem alguns hábitos em casa ou no trabalho também faz com que os familiares e colegas também fiquem atentos e mudem alguns hábitos, e eu gosto muito dessa parte, porque é perceber o impacto que o meu trabalho tem mas também o impacto que essas pessoas têm nas suas próprias vidas e na vidas dos que as rodeiam.
A ideia do livro também era um pouco essa, chegar a pessoas que não estão tanto na internet mas o ideal é que cada pessoa inspire outra e essa inspire ainda outra e assim sucessivamente, por isso eu fico mesmo muito contente quando recebo esses feedbacks.

Em que consiste o seu “Kit de desperdício zero”?

O kit que utilizo todos os dias quando saio de casa é:

– Garrafa de água reutilizável
Kit de talheres (com talheres, guardanapo de pano e palhinha de aço inoxidável)

Quando vou sair, ou tenho algum evento levo:

– Copo retrátil (ideal para festas e festivais)
– Copo pequeno (que faz de copo de café ou para levar ao dentista)
– 2 ou 3 bolsas para lanche (por exemplo de tecido)
– Sacos de compras (reutilizáveis)
– Saco do pão (em tecido)
– Sacos de rede (para frutas e legumes)
– Frascos de vidro (para compras a granel)
– Escova para lavar loiça e casca de vegetais
– Detergentes de limpeza (feitos por mim, no livro tem imensas receitas)
– Shampoo sólido
– Desodorizante sólido
– Pasta de dentes (em frasco de vidro ou em pastilhas)
– Escova de dentes de bambu (ou com cabeça amovível)
– Cuecas e pensos higiénicos em tecido
– Copo menstrual
– Cotonetes reutilizáveis
– Óleos essenciais (para limpeza e questões de saúde)
– Esponja para banho e cozinha

Depende sempre um pouco do publico alvo do evento e do tema a abordar.
Quando vou às escolas, levo sempre livros que tenho em casa mais voltados para as crianças, com desafios. Falo sempre também da questão da redução do consumo de carne e alimentação vegetariana.
Eu já sou vegetariana há 19 anos, nem todos temos de nos tornar vegetarianos de um dia para o outro mas se conseguirmos incluir 1 ou 2 refeições vegetarianas por semana, levo também livros com receitas para as pessoas verem.
Vou variando o kit, dependendo de vários fatores mas basicamente é este, acaba por facilitar imenso as pessoas poderem ver as coisas e perceberem se querem comprar estas coisas.

Quando dá as suas palestras, entre crianças e adultos, quem acha que está mais desperto para este tipo de problemáticas?

Depende do tipo de palestra e das pessoas.
As crianças mais pequeninas, e eu já cheguei a fazer palestras desde os 3 ou 4 anos e até ao 5º ou 6º ano estão mais despertar, acham piada às coisas e vão para casa contar aos pais o que aprenderam na escola e ficam muito contentes, por outro lado, também vejo que os alunos, quando começam a ficar mais velhos, a partir do 7º ano já se começam a desinteressar por este tipo de temas o que também tem a ver com a fase que estão a passar, a adolescência onde põem muitas coisas em causa e são mais rebeldes mas quando chegam a mais velhos muitos voltam-se a interessar e cada vez mais há mais pessoas interessadas.

Eu diria também mais mulheres que homens, pelo que vejo nos eventos livres, em que só vai quem se inscreve e quer ir. Costumo até brincar com a situação quando vejo que estão apenas 1 ou 2 homens, digo que foram obrigados ou arrastados.
Talvez as mulheres tenham outra sensibilidade e quer queiramos quer não toda a parte do lar e gestão de tarefas e compras acaba ainda por recair muito sobre as mulheres e portanto a mulher acaba por ter outro poder de escolha sobre o que se vai utilizar ou não.

Hoje em dia já se vê muito mais pessoas interessadas, cada vez se fazem mais coisas, o que tem uma parte negativa porque também nos chegam muitos testemunhos de pessoas que estão completamente assoberbadas com tudo isto e não conseguem ficar indiferentes a todas as notícias que vão saindo nomeadamente acerca das alterações climáticas e depois colocam uma pressão enorme sobre elas próprias e querem fazer tudo para ontem e não conseguem porque obviamente têm uma vida e isto preocupa-me.

Já me chegam também alguns testemunhos de jovens e alunos que estão muito sobrecarregados e que ficam muito preocupados e vêm-se sozinhos porque os colegas não têm as mesmas preocupações.

Por isso vai existindo também um fosso cada vez maior entre a quantidade de pessoas que se importa realmente e as que não querem saber de todo e isto deixa muito desconfortáveis as pessoas que estão realmente importadas porque olham para uma massa da população e percebem que as pessoas não querem mesmo saber. É preciso criar algum tipo de “anticorpos” em relação a isso e aquilo que eu tento transmitir é fazermos as coisas com calma e devagar, mas quando falo com estas pessoas tento ainda mais focar esse aspeto, dizer que estão no bom caminho porque já fazem imensa coisa e não precisam de se culpar tanto porque dão o seu melhor todos os dias.
Eu também desanimo, por vezes, quando vejo algumas atitudes de algumas pessoas mas aqui o meu foco é sempre o positivo e o que eu posso fazer, porque se começo a focar no negativo e no que não está a ser feito eu vou deprimir, e ao deprimir deixo de fazer o que faço. E para mim é muito importante continuar a passar a mensagem, daí a importância de sermos disciplinados e focar no que estamos a fazer de positivo.
Todos os dias fazemos o melhor que conseguimos, não tem de ser perfeito, tem de ser o melhor.
O perfeito era nós nem estarmos a habitar o planeta Terra, isso era o melhor, mas já que cá estamos vamos tentar fazer o mínimo de mal possível, mas obviamente sendo sustentável connosco.
Ou seja, sermos sustentáveis connosco e com o planeta, aprendi isto por experiência própria porque durante muitos anos no inicio  eu era super sustentável com o planeta e zero sustentável comigo mesma por isso é que depois fiquei doente e sofri o burnout porque queria fazer tudo e mais alguma coisa mas haviam uma serie de coisas que eu não estava a perceber que não estava a fazer, como por exemplo cuidar de mim, despedir-me do trabalho que me estava a fazer mal.
Eu passei por essa fase e por isso quero passar a mensagem para que mais pessoas não passem por algo tão duro e difícil porque acredito que estamos aqui para ser felizes e não faz sentido passarmos por este tipo de dor e sacrifício.

Com o verão, e as refeições e atividades ao ar livre, quais as principais dicas para evitar o desperdício de recursos e ajudar o ambiente?

Acima de tudo não esquecer a garrafa de água, porque com este calor temos de nos hidratar, principalmente quem tem crianças é essencial.
Ter em conta o protetor solar, saber escolher qual o mais indicado para nós e bom para o ambiente, que não degrade a vida marinha como acontece com alguns deles. Hoje em dia é fácil de encontrar e já existem muitas marcas com essa preocupação.
De preferência aproveitar o tempo na natureza, sejam ou crianças, e por exemplo, numa ida à praia se encontrar lixo, trazer, se cada pessoa trouxer 3 peças de lixo, isso faz uma grande diferença, ou fazer o mesmo no parque.
Este tempo é muito bom para aproveitarmos para fazer coisas na natureza e realmente cuidarmos dela também.
Eu acredito que faz muita diferença o facto de passarmos tempo na natureza porque nós defendemos aquilo que amamos, portanto se desde pequenos aprendermos a gostar da natureza,  estar com ela, acabamos por mais tarde ter uma série de hábitos incutidos porque queremos defender a natureza.
Nas férias, tentar que seja um destino sustentável ou alojamento o mais sustentável possível, não esquecer de levar coisas connosco que não custam levar (kit zero desperdício) e que sei que me vão fazer, no sítio evitar artigos de plástico de uso único.
Ter o cuidado de para onde vou, se vou viajar, ir para um alojamento mais sustentável e aproveitar para consumir local, conhecer as pessoas da zona. Ter uma vida mais local possível e acredito que quando fazemos isso deixamos um bocadinho de nós no sítio e trazemos um pouco das pessoas connosco também e isto de facto faz a diferença.

Comecem hoje, e partilhem connosco as dicas dadas pela Ana! O que vão escolher e por onde vão começar?

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